Foquim

Foquim
Madeira

Doador António Meca da Felismina

MDJM inv. 359 Etn.


“Os foquins ainda levam de comer, mas ninguém se lembra de os abrir (…) Não, mais nenhum sente fome. Aquele punho metido ali na barriga é outra coisa. Todos sabem o que dá o Mar, mas nunca estiveram nas suas mãos com um vento rijo a empolar os vagalhões que os acometem sem descanso”.

Alves Redol, Uma fenda na Muralha (1969)


O foquim era um recipiente em madeira utilizado pelos pescadores para levarem as suas refeições durante a faina do mar. De forma cilíndrica, possui uma tampa com asa para ser facilmente transportado.

Cada pescador possuía o seu foquim mas, como a maioria não sabia ler, para o identificar, pintava símbolos e decorações mais ou menos ingénuas, onde sobressai o gosto pelas cores vivas. Se alguns se limitam a manchas coloridas, que correspondem às cores dos seus proprietários, outros foquins ostentam motivos temáticos que os tornam em verdadeiras obras de arte popular, muito para além do seu conteúdo funcional. É o caso do foquim (inv. 548) que pertenceu ao nazareno Manuel Meca Bombas, também exposto neste Museu. Exteriormente, apresenta peixes cinzentos e azuis, mas o seu principal interesse reside na decoração da tampa com o Milagre de Nossa Senhora da Nazaré. Na parte interior da mesma, inclui-se a representação da Aparição da Nossa Senhora de Fátima aos Pastorinhos, o que comprova a grande religiosidade da comunidade piscatória, tão sujeita aos naufrágios e desventuras do mar, que é simultaneamente fonte de alimento e alegrias, assim como de dor e morte.


De objecto essencialmente funcional e utilitário, eterno “companheiro do pescador quando vai ou regressa do mar”, o foquim acabou por se tornar num adereço decorativo do traje tradicional do pescador, o que motivou a promoção de vários concursos anuais nas décadas de 1950 e 1960, nomeadamente no mês de Abril, na altura da Páscoa (“Avril au Portugal”).

Hoje, ainda se encontra disponível no artesanato local, sobretudo sob a forma de miniaturas ornamentais, que evocam turisticamente o passado piscatório da Nazaré e do litoral português.


Em Abril de 2011, através do projecto “Do foquim à mochila”, o Museu Dr. Joaquim Manso, em parceria com o Agrupamento de Escolas Amadeu Gaudêncio, a ACISN e a ANAZART, revive a tradição cultural daqueles concursos e as memórias a eles associadas, mas agora actualizando a sua componente educativa, visando nomeadamente sensibilizar as camadas mais jovens da população para o seu próprio papel no estudo e conhecimento dos seus valores identitários, numa postura simultaneamente crítica e criativa.


“Concurso dos Foquins O nazareno quer em si próprio – no trajo – quer nos instrumentos da sua actividade – do barco às cabaças e odres – gosta do jogo das cores vivas. O foquim não escapa à regra. Ei-lo, como mais um elemento colorido, do conjunto, pendente do braço pela asa ou na mão, todos sensivelmente iguais na forma, mas todos também ostentando diferente ornamentação pintada, companheiro do pescador que vai para a pesca ou que dela regressa, graças a Deus. Útil funcionalmente – nele se leva que comer durante a faina – é incontestavelmente também mais um elemento decorativo do trajar. Porque lhe corresponde de certo modo uma expressão muito evidente do interesse decorativo dos pescadores nazarenos, mais uma vez é objecto de um concurso. Com ele se pretende estimular a manutenção de tão colorido uso e se permite ao mesmo tempo também a apreciação de tão variada e engenhosa ornamentação”.

In Avril au Portugal – Nazaré – Festas da Páscoa, 1964

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