José Soares, Cabeça de nazarena

   



José Soares (n.1922)
Cabeça de nazarena, anos 1960
Óleo sobre papel
MDJM inv. 64 Pint.


No mês de Março, destacamos a pintura "Cabeça de nazarena", do autor local José Soares. Em pinceladas largas e espontâneas, sugere-se o rosto de uma nazarena, envolta pela capa tradicional.
José Soares, escritor e estudioso da cultura local, publicou vários trabalhos sobre a história, costumes e tradições da Nazaré, privilegiando um contacto estreito com artistas e intelectuais que frequentavam esta praia em meados do século XX. Esta proximidade incitou uma vontade de desenvolver algumas experiências no campo pictórico, de que resultaram pequenas composições, ainda pouco divulgadas e de que o Museu Dr. Joaquim Manso conserva alguns exemplares, como este pequeno óleo.

José Soares da Conceição, carinhosamente tratado por “Zé Soares”, é uma referência na Nazaré, pelo seu saber e vasto entendimento sobre a cultura e identidade local.
Nascido na Nazaré, em 24 de maio de 1922, filho de gente do mar, do seu percurso e experiência de vida resultaram o gosto pela investigação em vários domínios sócio-culturais, tendo como rumo uma melhor compreensão das raízes e contexto patrimonial desta vila piscatória.
A sua atividade como técnico de turismo proporcionou-lhe um contacto privilegiado com a realidade local e uma proximidade com figuras de prestígio das Artes e das Letras que, por motivos profissionais ou atraídos pelas singularidades das gentes e costumes da Nazaré, aqui se fixaram temporariamente.
Com uma forte intervenção a nível comunitário, ao longo da sua vida, José Soares dedicou especial atenção ao tecido cultural da vila. Do contacto com Branquinho da Fonseca (1905-1974), que permaneceu alguns anos na Nazaré nas décadas de 1930-40, como Conservador do Registo Civil, sobressai a partilha de informações que terão contribuído para o seu romance “Mar Santo” (1952). Sendo Branquinho da Fonseca fundador da Biblioteca da Nazaré, a José Soares se deve a sua recuperação e reativação, em 1972.

Na mesma década de 1970, José Soares colabora com o então diretor do Museu Dr. Joaquim Manso, Saavedra Machado, na recolha e estudo de objetos etnográficos, com vista à organização e abertura desta instituição. Hoje, nesta casa, ainda é visível algum desse trabalho.
José Soares também se dedicou a atividades político-sociais: foi professor de Educação para Adultos (“regente escolar”), membro da Liga dos Amigos da Nazaré e da Associação de Defesa da Nazaré, sindicalista e candidato pela CDU à Câmara Municipal da Nazaré (1989).
Autor de uma vasta produção literária, galardoado por duas vezes com o prémio literário “Guilhim de Cristal”, José Soares deu a conhecer vários estudos, romances, peças de teatro e poesia. Da sua atividade literária, citam-se:
Ventania (c. 1960), primeiro livro de versos; Canções do Mar (1990), Máquina do (Contra) Tempo (1997), Poearte – Navegar Contra o vento (poligrafia) (2001), O Romance da Cadeia (1986) e O Corrimoeiro – e outras estórias de contragosto. Das suas investigações, resultaram José da Beca – etnobiografia (1997), Cem anos de Naufrágios na Costa da Nazaré (1998) e Os Mitos da Lagoa (2002). São múltiplas as presenças em jornais e rádios da região.
Outros projetos estão ainda em vias de publicação: Dicionário da Identidade Nazarena; Gramática do Falar da Nazaré; Cem poemas esquecidos e Vários trabalhos ensaísticos sobre etnografia, linguística, política, identidade social.
Conviveu com várias personalidades do mundo da cultura e da arte, nacionais e estrangeiros, criando laços de sincera amizade e uma verdadeira rede de interesses culturais. Entre muitos outros, citam-se o seu “mestre” Cónego Feliciano; os artistas Abílio de Mattos e Silva, Jorge de Almeida Monteiro, Paul Girol, Einer Palmer, Roberto Charel, Francis Kelly, Derci Pentiado, Mário Silva, Silva Palmeira, Rosa Mendes, Carlos Borges Lopes e Francisco Abreu Pessegueiro; os escritores Branquinho da Fonseca, Miguel Torga, Alves Redol, José Cardoso Pires, Miguel Franco, António Jacinto Pascoal, …
Este contacto estreito com tantos artistas e intelectuais que frequentavam a Nazaré em meados do século XX terá motivado algumas incursões pessoais no campo pictórico, de que resultaram pequenas composições, de caráter experimental mais ou menos espontâneo, ainda pouco divulgadas, e de que o Museu Dr. Joaquim Manso conserva dois exemplares, por oferta do autor no início dos anos 1970.
Num resumo da sua autobiografia, José Soares refere: “O homem não é o que parece nem o que é mas o que vai sendo. É portanto, um pouco mais do que diz o poeta (Carlos Queirós): ‘por dentro das coisas é que as coisa são’. Afinal, o Homem é a sua história”.

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